M. C. ESCHER

sábado, 10 de fevereiro de 2018

O SONHO DE D'ALEMBERT


D'ALEMBERT

Um ponto vivo... não, estou enganado. Primeiro, nada; depois um ponto vivo... A esse ponto vivo junta-se um outro, e ainda um outro; e dessas junções sucessivas resulta um ser uno, pois eu sou realmente uno, disso não posso duvidar. (Dizendo isto, ele se tateava por todo lado). Mas como terá acontecido esta unidade... olha, filósofo: eu bem vejo um agregado, um tecido de pequenos seres sensíveis; mas um animal... um todo... tendo consciência da sua unidade! Não o vejo, não, não o vejo. (PRIGOGINE, p. 63)

DIDEROT 
Vedes este ovo? É com isto que derrubam todas as escolas de teologia e todos os templos da terra. 

O que é esse ovo? Uma massa insensível, antes que o germe aí seja introduzido... como passará esta massa a uma outra organização, à sensibilidade, à vida? Pelo calor. Quem produzirá calor? O movimento? Quais serão os efeitos sucessivos desse movimento? Em lugar de me responderdes, sentai-vos e sigam-los com a vista de momento a momento. Em primeiro lugar, é um ponto que oscila, um filamento que se estende e colore; carne que se forma, um bico, pontos de asas, olhos, patas que surgem; uma matéria amarelada que se desenrola e produz os intestinos; é um animal... anda, voa, irrita-se, foge, aproxima-se, queixa-se, sofre, ama, deseja, goza; tem toda a vossa afeição; todos os vossos atos, ele os executa. Pretendereis, como Descartes, que é uma pura máquina imitativa? Mas as crianças rir-se-ão de vós, e os filósofos vos replicarão que, se aquilo é uma máquina, vós a sois também. Se reconhecerdes que entre o animal e vós há apenas diferenças de organização, mostrarei senso e razão, estareis de boa fé; mas, contra vós, se concluirá que, com uma matéria inerte, disposta de certa maneira, impregnada de uma outra matéria inerte, calor e movimento, se obtém sensibilidade, vida, memória, consciência, paixões, pensamentos... escutai e terei piedade de vós próprios; sentireis que, por não admitirdes uma suposição simples que tudo explica, a sensibilidade, produto geral da matéria, ou produto da organização, renunciais ao senso comum e vos precipitais num abismo de mistérios, contradições e absurdos. (PRIGOGINE, p. 63)

Contra o templo da mecânica racional, contra todos os que anunciam que a natureza material não é senão massa inerte e movimento, Diderot chama assim àquilo que foi, sem dúvida, uma das mais antigas fontes de inspiração da física, o espetáculo do desenvolvimento progressivo, da diferenciação e da organização aparentemente espontâneas do embrião. Forma-se a carne, o bico, os olhos, os intestinos; sim, há de fato organização progressiva de um espaço propriamente biológico, aparecimento a partir de um meio homogêneo, de uma massa que parece insensível, de formas diferenciadas, precisamente no momento e no lugar oportunos, num processo coordenado e harmonioso. (PRIGOGINE, p. 64)

Diderot sustenta que a matéria é sensível, e até mesmo a pedra tem surdas sensações, no sentido de que as moléculas que a compõem procuram ativamente certas combinações, evitam outras e são regidas por seus desejos e aversões. A sensibilidade do organismo inteiro não é senão a soma das sensibilidades de suas partes, tal como o enxame de abelhas, de comportamento globalmente coerente, é criada pela interação local, pouco a pouco, entre as abelhas; não existe mais alma humana do que alma da colmeia. (PRIGOGINE, p. 65)

PRIGOGINE, Ilya. STENGERS, Isabelle. A nova aliança: a metamorfose da ciência, 1ª ed. Brasília: Editora Unb, 1984.


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